terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Nós


No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
Ficámos nós os dois, parados, de mão dada.
Como podem só os dois governar um barco?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
Tornamo-nos reais, e de maneira, à proa.
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos
Por entre nossas mãos , o verde mar se escoa
Aparentes senhores de um barco abandonado,
Nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem
Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado,
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa alheio aos meus sentidos.
Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
A eternidade é nossa , em madeira esculpidos!


David Mourão Ferreira

2 comentários:

Paula Raposo disse...

Eu adoro este nosso Poeta!! Beijos.

Aleatoriamente disse...

Que bela poesia. Muito lindo vir te ler, porque tens uma sensibilidade muito bela.
Parabéns!

Fernanda!
*
E enquanto viver

Também depois, na luz

Ou num vazio fundo

Perguntarei: até quando?

Até que se desfaçam

As cordas do sentir

Nunca até quando.



Hilda Hilst