terça-feira, 30 de agosto de 2011

UM BREVE OLHAR


Lá em cima, no ar
Sobre a monotonia destas casas
Sulcando, sereníssimas, os céus,
Abrem a larga rima das suas asas,
Lenços brancos do azul, dizendo adeus
Ao vento e ao mar.
Eu fico a vê-las
E meus olhos, de as verem, vão partindo
E fugindo com elas;
E a segui-las eu penso,
Enquanto o olhar no azul se espraia e prega,
Que há uma graça, que há um sonho imenso
Em tudo o que flutua e que navega…
Para onde se desterram as gaivotas,
Contra o vento vogando, altas e belas,
Essas voantes e pairantes frotas,
Essas vivas e alvas caravelas?
Vão para longe… E lá desaparecem,
Ao largo, por detrás do monte;
E os nossos olhos olham e entristecem
Com as vagas saudades que merecem
As coisas que se somem no horizonte!

Afonso Lopes Vieira

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A MINHA VIDA É


A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita.

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará.

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto.

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento.

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

ASSASSINATO DE UM POEMA


Um poema foi encontrado
morto
jogado numa poça de fonemas,
ratos roíam as vogais.
Não havia identificação,
não havia título,
ninguém sabe o autor.
Suspeita-se que não fora
acidental
mas que cada ferimento
tenha sido provocado
pelas mãos 
do frio, 
do mortal... 
Esquecimento.

Jorge Henrique da Silva Romero

terça-feira, 2 de agosto de 2011

GLÓRIA SALLES

“Da minha janela”
Quando o dia lânguido
se deita nos braços da noite
Apenas o ruído das mãos
quebra o silencio que reina
na penumbra branda.
E as estrelas nos olhos
são luzeiros que ofuscam
os entorpecidos crepúsculos.
No carrossel de delírios
brinco entre fantasias.
Aí meus cinzas são cores
vibrantes e intensas...
Doces momentos trazidos
pela fresca aragem.
Passeio nas veias da ilusão
encorpando a melodia que
leva meu pensamento.
Lanço-me inteira nas ruas
inventadas, onde os sonhos 
são ecos de verdades...
Da minha janela
tanta vida...

Glória Salles