domingo, 23 de janeiro de 2011

TENHO UM AMOR

Tenho um amor fresco e com gosto de chuva,
e raios e urgências.
Tenho um amor que me veio pronto.
Assim, água que caiu de repente.
Nuvem que não passa.
Me escorrem desejos pelo rosto, pelo corpo.
Um amor susto.
Um amor, raio trovão fazendo barulho.
Me bagunça.
E chove em mim todos os dias.

Caio Fernando Abreu

domingo, 16 de janeiro de 2011

É ASSIM QUE TE QUERO, AMOR

É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita de luz e pão e sombra,
eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.

(Pablo Neruda)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

SUAVE

Suave é o vento que te sopra,
A seda que te cobre,
O riso que te aflora,
O olhar que em ti brilha,
E o desejo que me toma!
Suave é a noite que desponta,
A lua que já nasce,
O beija flor que se deita,
O riacho já em prata,
O silencio na mata!
Suave é tua fala que me cala,
Teu olhar que me procura,
Teu braço que me toma,
Tua boca que me beija,
Meu olhar que te deseja!


Santaroza
Publicado no Recanto das Letras em 17/04/2008
Código do texto: T950407

domingo, 2 de janeiro de 2011

AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, 
na brisa marinha, é sal, ou precisão de 
amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto, 
o que é entrega ou adoração expectante, 
e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor, 
um chão de ferro, e o peito inerte, 
e a rua vista em sonho, 
e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta, 
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, 
doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na 
concha vazia do amor a procura medrosa, 
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, 
e na secura nossa amar a água implícita, 
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade