quarta-feira, 13 de maio de 2009

ROMANCEIRO DAS ÁGUAS


Água da Altura, límpida e sonora,
Aos desejos do vento num descuido,
Tu és da vida a fonte criadora:
Corpo de nuvens ondeante e fluído.

Por teu peito balsâmico de seivas
Há nos montes fartura reluzente:
Domam-se as terras de lavoura, as leivas,
E ergue-se à flor a túmida semente.

Água da chuva em móbil revoltura
No oceano do ar, no firmamento:
Rega divina a que esse artista, o vento,
Dá forma esculturada, a tecitura.

No nebuloso olimpo concebeste:
E à crusta insenta, ressequida e nua,
Trazes perfumes, o frescor celeste
Dos alvos saibros místicos da Lua.

Euritmias moduladas, feitas
Por cadências de versos diluídos:
Bátegas recortando os meus sentidos
De furtivas palavras liquefeitas.

Água que o ar frio arrasta e desencanta:
A que dá vida, a que renova a planta;
Água que antigamente foi suor
No rochedo e na flor.

E baga do suro da tua fronte
na labuta da vida pelo monte
Ó cavador cansado!

Respiração carnosa que ao depois
Foi ser chuva e crepúsculo doirado.

Gotas de orvalho,
Irmãzinhas das lágrimas, vós sois
O suor do trabalho.

Respiração dos rios e florestas
E fumo do meu lar;
E pragas das palavras desonestas
Dos pântanos e charcos ao luar;

Respiração de bocas amorosas
E de hálitos das fontes;
E aroma suavíssimo das rosas...

No longe e fluido olhar dos horizontes
Tudo se casa e funde: e é nuvem densa,
—Habitação de lágrimas suspensa.

AFONSO DUARTE
(1884-1958)
(Cancioneiro das Pedras, 1912)

9 comentários:

José Carlos Brandão disse...

... habitamos uma casa de água
prestes a dissolver-se no ar
como nuvem que passa e fica
como chuva que cai do alto
e lava os nossos corações.

Abração.

LOURO disse...

Amigo Eduardo,

Lindo poema,acompanhado de uma bela foto!!! Parabéns...

Abraço,

Lourenço

Branca disse...

Belo poema e bela imagem!
Realmente é doce a emoção de estar nos braços de quem amamos!!!


Excelente dia Eduardo...bjo!

Fabricante de Sonhos disse...

Um poema lindo, lindo, lindo.
Tocante e singelo!
Sublime!

Beijo meu...

Agulheta disse...

A água sempre foi a fonte da vida,e neste poema onde a mesma impera em palavras,com bela foto a ilustrar.
Beijinho

Flor de Lótus disse...

Boa tarde Eduardo.
Viajando nas sua palavras!@!
poema lindo....
O Amor é a asa veloz que Deus deu á alma para que ela voe até o céu.
( Michelangelo Buonarroti )
Abraços.

poetaeusou . . . disse...

*
boa escolha, amigo,
como sempre, alias,
,
um abraço, deixo,
,
*

Silvia Masc disse...

Eduardo, obrigada pelas lindas poesias com que vc tem enfeitado o meu blog, ando ausente, reforma em casa... sabe como é...rs mas fico muito feliz, quando encontro um poema "delivery"... lindo o texto à tua mãe, ela com cara de anjo, um beijo à ela e outro à vc.

Denise disse...

Tudo lindo por aqui.
Um cheiro de maresia,o vento que banha nossa pele.

pretendo voltar sempre.

Denise